Alguns pregadores dominam
bem o assunto de que tratam; outros são dominados por eles. De vez em quando
encontramos um que além de dominá-lo bem, também é dominado por ele. Tenho
certeza de que o apóstolo Paulo pode ser incluído entre estes.
Vejamos um episódio ocorrido em Éfeso (At
19). Sete homens estavam tentando libertar um endemoninhado, utilizando
determinada fórmula religiosa. Mas dirigir termos teológicos e até mesmo
versículos bíblicos a um endemoninhado é um método ineficaz de libertação.
Seria o mesmo que tentar deslocar a rocha de Gibraltar atirando-lhe bolas de
neve. E o homem dominado pelo demônio, apesar de ser um só, subjugou facilmente
aqueles tolos. E enquanto os filhos de Ceva saíam correndo para a rua, nus e
derrotados, o que estava possesso de um espírito imundo acrescentava ao seu
guarda-roupa mais sete vestes. E a imagem dos sete, feridos e amedrontados, já
dizia tudo. Mas Deus usou a insensatez deles para glorificar o nome de Cristo,
pois por causa desse episódio o nome dele foi engrandecido. Adeptos do
espiritismo foram salvos; judeus e gregos se converteram; queimaram-se, em enorme fogueira, livros de
artes mágicas, cujo valor chegava a cinqüenta mil moedas de prata.
Certamente esse acontecimento fez com que até a ira humana o louvasse (Sl
76.10). E observemos ainda o testemunho do demônio: “Conheço a Jesus, e sei quem é
Paulo; mas vós, quem sois?” (At 19.15). Esse é o maior elogio que o
inferno pode fazer a alguém: associar seu
nome ao de Jesus.
Mas como foi que Paulo se tornou este
tipo de cristão? Por que os demônios o conheciam? Já o haviam derrotado também, ou fora ele quem os derrotara? Pensemos um pouco nesse apóstolo. Ele conhecia
a Deus intimamente, a ponto de o Senhor lhe fazer revelações. Os anjos o serviam; suas orações provocavam terremotos. Suas palavras, dinamizadas pelo poder do Espírito, estraçalharam os grilhões que acorrentavam uma jovem dominada por espíritos
malignos, que era explorada por seus patrões fazendo adivinhações. Em Corinto, esse poderoso homem de Deus ensinou a Palavra e estabeleceu uma igreja,
bem à porta do diabo. Mais tarde,
conquistou almas na própria casa de César, bem debaixo do nariz do imperador. E sentia-se perfeitamente à vontade até
na presença de reis: “Tenho-me por feliz, ó rei Agripa!” Além disso, invadiu os domínios da capital
intelectual do mundo com a
mensagem da ressurreição, chegando a
deixar confusos os seus sábios. Enquanto Paulo viveu, o inferno não teve paz.
Mas qual era a armadura dele? Onde
afiava sua espada? Uma expressão que
ele emprega várias vezes é: “Estou bem certo”. Esse é o segredo de tudo. Ele se
achava dominado pela verdade revelada, como se ela possuísse garras. E a
Palavra de Deus, como o próprio Deus, é imutável. O apóstolo
estava como que ancorado nas profundezas da fidelidade de Deus. Sua arma era
a Palavra do Senhor; sua força era a fé que depositava na Palavra, Então o
Espírito o alertava a respeito da estratégia que o diabo iria utilizar contra ele. Paulo
estava sempre ciente de seus estratagemas. E assim o inferno se
desesperava. Mesmo numa ocasião em que
alguns homens tencionavam assassiná-lo, alguém descobriu a trama, e assim os
demônios e homens viram seu plano frustrado.
Estar salvo do inferno e livre de cometer os pecados mais grosseiros é muito
bom, mas, a meu ver, é uma condição espiritual muito elementar. Quando Paulo foi à
cruz de Cristo, experimentou o milagre da regeneração e da conversão. Mas,
depois, quando foi crucificado com Cristo, conheceu um milagre maior, o da
identificação. Acredito ser esse o mais forte argumento do
apóstolo — estar morto e vivo, ao mesmo tempo. “Porque morrestes”,
diz Paulo aos colossenses. Vamos aplicar isso à nossa vida. Nós já morremos?
Já morremos para as acusações e para os elogios? Morremos para
o que ocorre no mundo, para as opiniões humanas? Morremos a
ponto de não fazer mais caso do reconhecimento dos outros? Morremos de tal
modo que não protestaremos se alguém receber os louvores por algo que
foi idéia nossa? Ah que sublime, doce e gratificante experiência essa, de termos
Cristo vivendo em nós por meio de seu Espírito!
E, Paulo havia morrido. Mas
depois acrescenta: “Já não sou
eu quem vive”. O cristianismo é a única religião do
mundo cujo Deus vive dentro daquele que crê nele.
E Paulo já não lutava mais contra a carne (nem contra a sua, nem a
dos outros). Sua luta agora era contra “os principados e potestades,
contra os dominadores deste mundo tenebroso”. Será que isso explica
por que aquele demônio disse: “e sei quem é Paulo!” É que o
apóstolo estivera lutando contra as potestades demoníacas. (Em
nossos dias, essa arte de ligar e desligar que Paulo dominava tão bem está quase esquecida, ou totalmente ignorada). E ao dar
a última volta de sua corrida
terrena, ele afirmou: “Combati o bom combate”. Os demônios devem ter dito “amém” a essa declaração, pois
sofreram mais com Paulo do que o apóstolo com eles. É verdade. Paulo era conhecido
no inferno.
E a última verdade sobre a qual o
apóstolo ancorava sua alma era: “Porque importa que todos nós
compareçamos perante o tribunal de Cristo” (2Co 5.10).
O fato de ele viver sempre com os olhos fixos nos valores eternos
fez com que essa prova final também perdesse seu aguilhão. Vivendo
da maneira certa aqui na terra (e não me
refiro apenas em viver retamente, mas segundo o padrão proposto na Palavra de
Deus), resolve-se o problema do além. Paulo se tornara tão semelhante ao
Filho que podia dizer: “O que também aprendestes, e recebestes, e
ouvistes, e vistes em mim, isso praticai” (Fp 4.9).
De um modo geral, é meio arriscado imitar uma cópia. Mas no caso de Paulo não,
pois ele se achava plenamente rendido a Cristo, santificado e
satisfeito, isto é, “aperfeiçoado em Cristo”.
Será que alguém ainda acha
estranho um demônio haver dito
“e sei quem é Paulo?” Eu não.
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