quarta-feira, 19 de outubro de 2011

CRENTES INCRÉDULOS


Qualquer dia desses uma pessoa bem simples vai pegar a Palavra de Deus, lê-la e crer nela, e aí nós todos vamos ficar muito envergonhados. É que nós adotamos a cômoda postura de que nossa tarefa para com a Palavra é explicá-la. Na verdade, nossa primeira atitude deve ser de crer nela (e depois obedecer).
Um pensamento que me tem ocorrido com freqüência ultimamente é que existe uma grande diferença entre conhecer a Palavra de Deus e o Deus da Palavra. Não é verdade que toda vez que assistimos a um seminário de estudos bíblicos ouvimos uma repetição das mesmas velhas lições, e saímos dali sem ter aumentado nem um pouco nossa fé? É possível que Deus nunca tenha visto um grupo de crentes tão incrédulos como os desta geração. Como isso é humilhante!
Será que estamos como que deslumbrados com a riqueza espiritual? Talvez sejamos como um marinheiro pobretão que cruza o Atlântico e fica alucinado, magnetizado ao pensar que ali embaixo está o navio Lusitânia com muita riqueza em seu bojo, que ele poderia pegar para si. O único problema são os metros e metros cúbicos de água que o separam dele. Do mesmo modo, a Bíblia, que é o talonário de cheques do crente, que lhe é dado pelo Senhor da glória, garante: “Tudo é vosso, e vós de Cristo, e Cristo de Deus”. Estou-me sentindo fortemente insatisfeito com a pobreza espiritual que nós, os crentes, estamos vivendo na atualidade.
Quantas vezes vamos a uma reunião de oração e ouvimos uma frase tão comum: “Senhor, tu podes fazer isso” (referindo-se a um determinado pedido). Mas tal afirmação é fé? Não; é apenas o reconhecimento da onipotência de Deus. Eu creio que o Deus vivo, o Senhor da glória pode transformar essa escrivaninha onde estou escrevendo em ouro maciço. Transformar água em vinho ou madeira em ouro é coisa que está dentro da capacidade dele. Mas ele transformou água em vinho quando houve necessidade disso. Neste momento, por exemplo, um milhão de dólares me seria muito útil (e não gastaria nem um centavo para mim mesmo), nem teria do que me envergonhar “naquele dia”. Na verdade temos muita necessidade desse dinheiro. Mas afirmar que ele pode fazer a madeira se transformar em ouro não opera a transformação. E assim eu fico sem o dinheiro. Mas se, pela fé, eu disser: “Ele irá transformar essa mesa em ouro”, aí o problema estará resolvido.
Todos nós sabemos que “o maior destes” (fé, esperança e amor) não é a fé. Mas por que ignorar o que é menor? Onde é que se vê a fé genuína hoje em dia? O que se vê é um mascaramento da fé. Um apelo que se ouve com freqüência é: “Cremos que Deus deseja que estendamos a transmissão de nosso programa a mais dez estações de rádio. Estamos esperando dele os fundos necessários para isso. Então, irmãos, escrevam-nos o mais breve possível”. Isso pode até ser uma afirmação de fé, só que com “indiretas”, e não é dirigida apenas para Deus. Nós, os crentes, gostamos muito de citar superficialmente aquele versículo: “E o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir cada uma (que palavras extraordinárias!) de vossas necessidades” (Fp 4.19). Mas será que realmente acreditamos nele?
Acredito que poderíamos acrescentar um adendo ao capítulo 11 de Hebreus (sem querer com isso diminuir o valor dele) incluindo nomes como o de Hudson Taylor (fundador da Missão do Interior da China), Jorge Müller, Rees Howells, e outros que pela fé realizaram grandes feitos. Nessa hora difícil que vivemos, estou ficando cansado de nossas conversas sobre nosso maravilhoso e poderoso Senhor, quando nós continuamos ainda terrivelmente pobres. Deus abençoa é a nossa fé, não a sabedoria, nem a personalidade. E a honra a Deus; e Deus honra a fé. Ele vai onde a nossa fé o coloca. Num certo sentido, que creio todos podem entender, a situa Deus aqui ou ali. Ela faz a junção da nossa impotência com a onipotência dele.
A ciência já rompeu a barreira do som. E a sociedade que nos cerca, uma sociedade permissiva, sequiosa de prazer, clama para nós que também já rompeu a barreira do pecado. Agora, vamos nós também, com a ajuda de Deus, com fé simples, firme, vamos romper a barreira da incredulidade. A dúvida retarda a ação da fé, e até a destrói. Mas a fé também destrói a dúvida. A verdade que a Palavra de Deus ensina não é “Tudo é possível ao que sabe expor bem as Escrituras”. Nesta vida terrena, será inútil tentar definir a pessoa de Deus, e, possivelmente, nem na eternidade conseguiremos entendê-lo, nem tampouco seus atos. Mas o que diz a Bíblia, esse Livro que é tão imutável quanto seu Autor, é: “Tudo é possível ao que crê”.
Muitas vezes ouvimos pessoas (que se candidataram a um emprego para o qual se julgavam altamente capacitadas, e foram rejeitadas) dizerem, não sem certa amargura: “Hoje em dia o que conta não é o que a         gente sabe, mas quem se conhece”. Não pretendo entrar no mérito da questão, com relação ao mundo dos negócios; mas tenho certeza de que no plano espiritual é a mais pura verdade. Os fatos que sabemos sobre Deus nestes dias dão para encher uma biblioteca. (Não queremos com isso depreciar o verdadeiro conhecimento, e menos ainda a sabedoria que vem lá do alto). Mas conhecer fatos sobre Deus é uma coisa; conhecer a Pessoa dele é outra muito diferente. Paulo não tinha nada, e, no entanto possuía tudo. Que sublime paradoxo! Que abençoada pobreza! Esse grande homem era espiritualmente riquíssimo. O fato de estar edificando o reino de Cristo e de estar escrevendo os oráculos de Deus nunca lhe subiu à cabeça. E a despeito de tudo que fez, já quase ao fim de sua carreira, ele diz: “Para conhecê-lo e o poder da sua ressurreição e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte” (Fp 3.10).
O maior empecilho que existe para que os crentes transformem em realidade diante dos olhos do mundo as promessas de Deus é esse nosso desprezível ego. Mas Paulo declara que seu antigo senhor, o ego, foi destronado e — o que é melhor — foi anulado na cruz (Gl 2.20). Então Cristo pôde ser entronizado em sua vida. E para que nos purifiquemos e estejamos preparados para que ele assuma o controle é preciso que o egoísmo, a autocompaixão, a justiça própria, a auto-satisfação, a importância própria e tudo que tenha a ver com o ego sejam entregues à morte. Não importa quem nós somos, nem o que nós sabemos. O que realmente importa é o que somos diante do inescrutável Deus. Se desagradarmos a Deus, não importa a quem vamos agradar. E se agradarmos a ele, não importa a quem vamos desagradar. Aquilo que podemos chegar a ser pela nossa união com Cristo é uma coisa; mas aquilo que somos é outra muito diferente. Encontro-me profundamente insatisfeito com o que sou. Se você está satisfeito, então tenha compaixão deste seu irmão mais fraco, e ore por mim.
Existe um tipo de fé que é natural, intelectual e lógica; e existe também a fé que é espiritual. De que adianta pregarmos a Palavra, se no momento em que a anunciamos não temos uma fé viva para comunicar-lhe vida? “A letra mata”. Iremos nós adicionar mais morte à morte? O maior benfeitor do homem hoje será aquele que puder trazer o inestimável poder de Deus para esse cristianismo orgulhoso e sem poder que vivenciamos hoje. A promessa de Deus ainda está de pé: “O povo que conhece ao seu Deus se tornará forte e ativo” (Dn 11.32). E se algum de nós conhecer a Deus, então “coitado de você, Lúcifer!”

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