Se naquele dia, na estrada de Damasco, Saulo tivesse
encontrado um pregador e tivesse ouvido um sermão, ninguém nunca mais teria
escutado falar dele. Mas ele se encontrou com Cristo. (Às vezes podemos
nos esquivar dos pregadores e de ouvir sermões — e muitas vezes o conseguimos —
mas não há como fugir de um encontro com Cristo). E naquele instante, sua
filosofia de vida teve um confronto com a própria Vida. O zelote religioso
exaltado encontrou-se com Aquele que batiza com fogo, e, em conseqüência disso,
passou por uma transformação radical, e a. civilização tomou novos rumos. (Ó
Senhor, aprouvera a ti fazer o mesmo de novo!) Embora até aquele dia ele fosse
aos próprios olhos um impecável, rígido e legalista fariseu, pouco depois ele
passou a se apresentar como o principal dos pecadores, aos olhos de Deus. E
isso não nos espanta, pois ele foi para a igreja recém-nascida o que Herodes
foi para o Cristo recém-nascido — transformando o negro inferno em um desespero
de trevas ainda mais densas.
Aquele que já teve uma experiência com Deus nunca será
dissuadido por argumentação humana, pois uma experiência com Deus que custa alguma
coisa vale muito, e realiza uma obra em nós. O que Paulo vivenciou naquele dia
não foi um experimento; foi uma experiência. Contudo, aquele seu encontro com o
Senhor naquele dia deve ter sido além de transformador, bastante aterrador. Ele
teve uma visão de Deus que o cegou, pois foi “mais resplandecente que o sol”. A
partir daquele instante, Paulo se tornou cego para todas as honras terrenas. “Aqueles
que honram a ti, Senhor, nunca me honrarão”, disse F. W. H. Meyer. O confronto
de Saulo com Cristo primeiro estraçalhou seu sonho de glórias intelectuais e
aniquilou seus prospectos para a vida terrena. Depois, já vencido, ele desce
mais um degrau para entrar em outra batalha com Deus: o “desvestimento” a que
se submeteu no deserto da Arábia (cujas experiências ele foi proibido de relatar).
E de alguma forma esse conquistador de almas para Cristo, com
seu intelecto privilegiado e sua maravilhosa linhagem, recebeu seu Senhor não
apenas como um substituto mas também como sua vida, numa identificação total com
ele — “Morri (em Cristo)”. (E todos nós dizemos a mesma coisa com certa
leviandade). Além disso, Paulo afirma em tom triunfante: “Cristo v-i-v-e
em mim”. Vamos entender esse fato. Será que se nós déssemos esse mesmo testemunho,
nossos amigos o confirmariam ou ririam de nós? Mas esse dedicado servo do
Salvador ergueu-se de entre as cinzas do seu ego destruído, para ser o Sansão
do Novo Testamento, arrancando os portões da História com os ferrolhos e tudo,
e lavando os estábulos da corrupção asiática com o sangue de Cristo. Que homem
abençoado!
Depois de obter a paz com Deus, Paulo declarou guerra a tudo
que era contra Deus. Primeiro ele encantou os intelectuais de Atenas com seu
doce e novo cântico do evangelho, mas terminou seu hino abruptamente, lançando mão
da trombeta da ressurreição, o que espantou os atenienses, fazendo com que fugissem,
assustados com a dureza dessa verdade.
Mas o que fazia esse homem rir das difíceis barreiras que
enfrentava? Por que morria diariamente? Qual a razão de possuir força inigualável
para enfrentar as adversidades que enfrentou? (2Co 11). Que explicação racional
se poderia dar para o fato de haver suportado um fardo tão pesado? A resposta
não está em nenhuma idéia que possamos ter, mas no bem redigido diário que
deixou, onde expõe sua alma. Por mais espantoso que isso possa parecer, ele fez
afirmações como “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gl 2.20).
Pensemos bem nisso. Ele não está afirmando que acredita no nascimento virginal
de Jesus, nem diz que crê que ele ressuscitou, embora, naturalmente, cresse
nesses fatos. O que ele diz é “Cristo vive em mim”. Antes, ele se encontrava
nas profundezas da pecaminosidade (“Não sou eu, mas o pecado que habita em mim”
Rm 7.17), mas saiu de lá e atingiu o ápice da espiritualidade: “Já não sou eu
quem vive, mas Cristo vive em mim” (Gl 2.20). Que grandiosa transformação de
vida!
A vida de Paulo foi exemplar. Ele não era uma “placa
de sinalização”; era um verdadeiro guia. Ouçamos o que ele diz: “O que também
aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso praticai” (Fp 4.9).
Era realmente uma “carta viva”.
Mas a vida dele foi também excepcional. Será que
alguém seria tão obtuso a ponto de afirmar que temos a mesma abnegação de
Paulo? Parece que a melhor descrição para nós é “cada um se desviava pelo seu
caminho” (I. B. B.). Ele foi excepcional pelo fato de haver escrito tantas
cartas e fundado tantas igrejas. Mas vejamos outra vez a lista de adversidades
que suportou, e que se encontra em 2 Coríntios 11. Será que ele está querendo
mostrar-se mais sofredor que os outros mártires, ou apresentar suas
qualificações para ser incluído entre os santos? Nada disso! Para ele, a
posição, a linhagem e os privilégios são como refugo para ganhar a Cristo. E
ele o ganhou, por sua obediência constante. Ele se mostrou excepcional em meio
ao sofrimento — que lhe era imposto por outros; mas também foi excepcional na
oração — que praticava por decisão pessoal. Se hoje houvesse mais crentes de
oração, haveria também mais pessoas preparadas para o sofrimento. A oração
desenvolve em nós o tônus espiritual, mas também nos acarreta mais sofrimentos;
dá-nos resistência espiritual, e nos faz crescer em santidade; faz-nos fortes
no espírito, e traz sobre nós o fogo.
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